Auto da Compadecida é uma peça teatral do escritor brasileiro Ariano Suassuna. Foi escrita em 1955 e encenada, pela primeira vez, em 1956. Ela apresenta crítica social, política e religiosa. A ação se a em Taperoá, na Paraíba. João Grilo, com a ajuda de seu amigo Chicó, engana o bispo, o padre e o sacristão para fazer com que o cachorro morto da mulher do padeiro seja enterrado em latim.
Ele também tenta enganar a mulher do padeiro, quando lhe vende um gato que “descome” dinheiro. Em seguida, a cidade é invadida pelo temível Severino, acompanhado de outro cangaceiro. Por fim, bispo, padre, sacristão, padeiro, a mulher do padeiro, Severino, o cangaceiro e João Grilo acabam morrendo. Eles são julgados pelo Encourado e por Jesus Cristo, além de receberem a intervenção generosa da Compadecida.
Leia também: Morte e vida severina — obra de João Cabral de Melo Neto que conta a vida de um retirante durante a seca nordestina
Tópicos deste artigo
- 1 - Resumo sobre Auto da Compadecida
- 2 - Análise da obra Auto da Compadecida
- Resumo sobre Auto da Compadecida
- Auto da Compadecida é uma peça teatral do escritor brasileiro Ariano Suassuna.
- João Grilo é um pobre e esperto nordestino que trabalha para o padeiro e é amigo de Chicó.
- A mulher do padeiro quer que o padre benza seu cachorro doente e depois que o enterre em latim.
- João Grilo engana o padre, o sacristão e o bispo, de forma a fazer com que aceitem o enterro do cachorro em latim, em troca de dinheiro.
- João Grilo engana a mulher do padeiro e lhe vende um gato que “descome” dinheiro.
- O cangaceiro Severino do Aracaju, em companhia de outro cangaceiro, invade a cidade para roubar a igreja.
- Severino manda matar o bispo, o padre, o sacristão, o padeiro e a mulher do padeiro.
- João Grilo engana Severino, dizendo que tem uma gaita que cura ferimentos.
- Com intuito de ver padre Cícero, Severino pede o cangaceiro para o matar e depois o ressuscitar.
- Ao perceber o engano, o cangaceiro entra em luta com João, que o esfaqueia, mas recebe um tiro.
- Os oito mortos são julgados pelo diabo e por Cristo, e recebem a compaixão da Compadecida (Nossa Senhora).
Análise da obra Auto da Compadecida
→ Personagens da obra Auto da Compadecida
- A Compadecida ou Nossa Senhora
- Antônio Morais
- Bispo
- Cangaceiro
- Chicó
- Demônio
- Frade
- João Grilo
- Manuel ou Jesus Cristo
- Mulher do padeiro
- O Encourado (o diabo)
- Padeiro
- Padre João
- Palhaço
- Sacristão
- Severino do Aracaju
Não pare agora... Tem mais depois da publicidade ;)→ Tempo da obra Auto da Compadecida
A peça foi escrita em 1955 e encenada, pela primeira vez, em 1956. Já o tempo da ação não é especificado pelo dramaturgo, de forma que podemos concluir, a partir de elementos da obra, que a ação transcorre no século XX, possivelmente durante o período histórico conhecido como República Velha.
→ Espaço da obra Auto da Compadecida
A ação transcorre na cidade de Taperoá, na Paraíba.
→ Enredo da obra Auto da Compadecida
O palhaço anuncia o espetáculo: “Auto da Compadecida! O julgamento de alguns canalhas, entre os quais um sacristão, um padre e um bispo, para exercício da moralidade”. Depois de algumas falas do palhaço, ele sai de cena, e entram Chicó e João Grilo. Eles falam sobre o padeiro e sua esposa, que querem que o padre benza o cachorro deles para o animal não morrer.
A mulher do padeiro diz que vai se separar do marido se o cachorro morrer, mas o padre se recusa a benzer o cachorro. Então João Grilo argumenta: “No dia em que chegou o motor novo do major Antônio Morais o senhor não o benzeu?”. Ao que o padre responde: “Motor é diferente, é uma coisa que todo mundo benze. Cachorro é que eu nunca ouvi falar”.
João Grilo mente e diz para o padre que o cachorro é do major Antônio Morais, o qual “é rico e poderoso”, dono de uma mina. O padre logo muda de ideia. Em seguida, em conversa entre João Grilo e Chicó, ficamos sabendo que a mulher do padeiro é infiel e que Chicó já foi amante dela; porém ela o deixou porque Chicó “é um miserável que não tem nada” e “a fraqueza dela é dinheiro e bicho”.
O major Antônio Morais vai procurar o padre. João Grilo lhe diz que “o padre está meio doido”, com “mania de benzer tudo” e chamar todo mundo de “cachorro”. O filho mais novo do major está doente, e o major quer que o padre o benza. Na sequência, ocorre um diálogo cômico, já que o padre fala do cachorro, enquanto o major fala do filho, tratado pelo padre como se fosse um cachorro que está morrendo.
Zangado, o major vai se queixar ao bispo. João Grilo revela ao padre que o cachorro é do padeiro, e o padre decide não benzer o bicho, pois o bispo pode não gostar. Diante da recusa, a mulher do padeiro diz que não vai mais mandar pão de graça para a Irmandade Almas e pede que o padre devolva a vaca que ela lhe deu de presente. Enquanto discutem, o cachorro morre.
A dona do cachorro lamenta a morte do animal e exige que o padre o enterre em latim. O padre se nega. João Grilo então diz que o cachorro deixou em testamento dinheiro para o padre e para o sacristão. Diante do espanto do sacristão, João Grilo explica:
Esse era um cachorro inteligente. Antes de morrer, olhava para a torre da igreja toda vez que o sino batia. Nesses últimos tempos, já doente para morrer, botava uns olhos bem compridos para os lados daqui, latindo na maior tristeza. Até que meu patrão entendeu, com a minha patroa, é claro, que ele queria ser abençoado pelo padre e morrer como cristão. Mas nem assim ele sossegou. Foi preciso que o patrão prometesse que vinha encomendar a bênção e que, no caso de ele morrer, teria um enterro em latim. Que em troca do enterro acrescentaria no testamento dele dez contos de réis para o padre e três para o sacristão.
O padre quer fazer o enterro, mas tem medo do bispo. Então o sacristão se prontifica em substituir o padre, de forma que o cachorro Xaréu é enterrado em latim. Em seguida, o bispo procura o padre na igreja após receber reclamação do major Antônio Morais. O padre explica que foi enganado por João Grilo, daí a confusão entre cachorro e filho do major.
João Grilo revela ao bispo sobre o enterro do cachorro. Diante da indignação do bispo, João Grilo diz: “É mesmo, é uma vergonha. Um cachorro safado daquele se atrever a deixar três contos para o sacristão, quatro para o padre e seis para o bispo, é demais”. Diante disso, o bispo conclui: “É por isso que eu vivo dizendo que os animais também são criaturas de Deus. Que animal interessante! Que sentimento nobre!”.
Em seguida, ficamos sabendo que João Grilo tirou a bexiga do cachorro antes do enterro. Além disso, João Grilo decide vender um gato para a mulher do padeiro. Assim, diz a Chicó: “Pois vou vender a ela, para tomar o lugar do cachorro, um gato maravilhoso, que descome dinheiro”.
Para provar à mulher do padeiro que o gato “descome” dinheiro, João Grilo “a a mão no traseiro do gato e tira uma prata de cinco tostões”, que ele mandou Chicó enfiar no gato. Para a mulher ter o gato, ela precisa colocar João Grilo no testamento do cachorro. João divide o dinheiro com Chicó.
João Grilo se certifica de que Chicó encheu a bexiga de sangue. Logo o padeiro aparece para tirar satisfações, pois descobre que o gato não “descome” dinheiro. O bispo então vai saber o motivo da confusão, interrompida pela chegada do temível cangaceiro Severino do Aracaju, que pretende roubar a igreja.
O cangaceiro que acompanha Severino mata o bispo, o padre e o sacristão. Em seguida, mata o padeiro e a esposa. Chega a vez do cangaceiro matar João Grilo, que decide enganar Severino, dizendo que quer lhe dar uma gaita de presente, uma gaita que cura ferimentos. Para provar sua afirmação, João Grilo dá uma punhalada na barriga de Chicó.
É um truque, pois João atinge a bexiga do cachorro que estava com Chicó, o qual finge morrer. João Grilo toca a gaita, e Chicó finge ressuscitar. Severino então manda o cangaceiro lhe dar um tiro, para ele conhecer padre Cícero e voltar à vida quando o cangaceiro tocar a gaita. Assim, Severino é assassinado.
Ao tocar o instrumento, o cangaceiro percebe a trapaça de João Grilo, mas João consegue esfaquear o bandido. Então explica para Chicó que não sabia da vinda de Severino quando mandou o amigo guardar a bexiga:
Eu não adivinhei coisa nenhuma, a bexiga estava preparada para a mulher do padeiro, quando ela viesse reclamar o preço do gato. Eu ia ver se convencia o marido dela a dar-lhe uma facada, para experimentar a gaita e me vingar do que ela me fez [João Grilo ou três dias em cima de uma cama, tremendo de febre. Mandava pedir socorro a ela e ao marido, e nada de o ajudarem]. Severino meteu-se no meio porque quis e de enxerido que era.
Mas o cangaceiro ainda está vivo e, antes de morrer, dá um tiro em João Grilo, que também morre. Então começa o julgamento dos mortos, na presença de um demônio e do Encourado (o diabo). Severino e o padre apelam para Nosso Senhor Jesus Cristo (Manuel), que entra em cena.
João Grilo fica surpreso por Manuel ser um homem negro: “Porque... não é lhe faltando com o respeito não, mas eu pensava que o senhor era muito menos queimado”. Jesus então a a apontar os pecados de cada um deles. O bispo é “mundano, autoritário, soberbo”. João Grilo é “cheio de preconceitos de raça”.
Já o Encourado acusa o padre de praticar “simonia, velhacaria, política mundana, arrogância com os pequenos, subserviência com os grandes”. O sacristão é acusado de hipocrisia e de roubar a igreja. O padeiro e a esposa “foram os piores patrões que Taperoá já viu”. Além disso, o padeiro é acusado de avaro; e sua esposa, de adúltera.
Já o cangaceiro e Severino mataram mais de trinta pessoas. Em seguida, as armações de João Grilo são mencionadas. Diante da situação difícil, João pede a intervenção da Compadecida (Nossa Senhora). Ela então a a apontar as qualidades dos réus. O bispo “era trabalhador”. Já o padre e o sacristão, “quase tudo o que eles faziam era por medo”.
Em favor do padeiro, a Compadecida lembra o “perdão que o marido deu à mulher na hora da morte, abraçando-se com ela para morrerem juntos”. E sobre a mulher do padeiro, aponta “sua condição de mulher, escravizada pelo marido e sem grande possibilidade de se libertar”.
Severino e o cangaceiro recebem a defesa de Cristo, que diz que eles “foram meros instrumentos de sua cólera. Enlouqueceram ambos, depois que a polícia matou a família deles e não eram responsáveis por seus atos”. Salvos, os dois “saem para o céu”. Por sugestão de João Grilo, os outros cinco vão para o purgatório.
A Compadecida intercede em favor de João Grilo: “João foi um pobre como nós, meu filho. Teve de ar as maiores dificuldades, numa terra seca e pobre como a nossa”, E pede que Manuel dê outra oportunidade a João Grilo, que ressuscita. Ao voltar à vida, ele dá um susto em Chicó, que acha que João é um fantasma, até que João Grilo o convence de que está mesmo vivo.
→ Narrador da obra Auto da Compadecida
Por ser uma peça teatral e, portanto, do gênero dramático, Auto da Compadecida não apresenta narrador (elemento do gênero narrativo).
Características da obra Auto da Compadecida
→ Estrutura da obra Auto da Compadecida
A peça teatral Auto da Compadecida tem elementos típicos do gênero dramático, como: personagens, falas e rubricas. O dramaturgo não mostra indicações das cenas nem dos atos. No entanto, durante o enterro do cachorro, o autor informa que “o espetáculo pode ser interrompido, a critério do ensaiador, marcando-se o fim do primeiro ato”.
Mais adiante, após o julgamento de João Grilo, o dramaturgo informa: “Vai começar o ato final da peça”. Isso sugere que a peça tem três atos, apesar de o conceito de “auto”, segundo o dicionário Aulete Digital, ser o seguinte: “Certo gênero dramático de cunho moral, místico ou satírico, com um só ato, originário da Idade Média”.
→ Estilo literário da obra Auto da Compadecida
A obra de Ariano Suassuna pertence ao pós-modernismo ou à terceira fase do modernismo brasileiro. A comédia Auto da Compadecida tem elementos regionalistas, valoriza a cultura nordestina, além de apresentar linguagem coloquial, ironia e crítica sociopolítica.
→ Contexto histórico da obra Auto da Compadecida
A peça Auto da Compadecida foi escrita em 1955, durante o governo de Café Filho (1899-1970), o qual foi vice-presidente de Getúlio Vargas (1882-1954). Com o suicídio de Vargas em 1954, Café Filho assumiu a presidência. Seu governo, de caráter provisório, foi marcado pela instabilidade econômica e política.
O contexto da obra (apesar de o dramaturgo não especificar o ano em que transcorre a ação) pode ser situado no período conhecido como República Velha (1889-1930), em que predominou o conservadorismo e a figura política do coronel. O coronelismo foi um sistema político-social marcado pela influência econômica e política de ricos fazendeiros.
A peça também apresenta elementos do cangaço, um movimento criminoso e talvez político ocorrido no sertão nordestino, que perdurou do final do século XIX até a década de 1930. O cangaço é considerado um fenômeno social de reação ao poderio dos coronéis, por alguns historiadores, ou um fenômeno de crime organizado, para outros.
Ariano Suassuna, autor de Auto da Compadecida
Ariano Suassuna é o autor de Auto da Compadecida.[2] Ariano Suassuna é um escritor paraibano que nasceu em João Pessoa, em 16 de junho de 1927. Mais tarde, na adolescência, foi morar em Recife, no estado de Pernambuco, onde ingressou na faculdade de Direito em 1946. No ano seguinte, escreveu Uma mulher vestida de sol, sua primeira e bem-sucedida peça teatral.
Além de dramaturgo, também trabalhou como advogado, professor universitário e foi diretor de cultura do Serviço Social da Indústria. Além disso, fez faculdade de Filosofia, foi secretário de Educação e Cultura do Recife e secretário de Cultura do Estado de Pernambuco. O autor morreu em 23 de julho de 2014, em Recife.
Para saber mais sobre Ariano Suassuna, clique aqui.
Adaptações de Auto da Compadecida para o cinema
Chicó e João Grilo no filme O Auto da Compadecida (2000). (Créditos: Instagram @seltonmello | Recortada) Adaptações de Auto da Compadecida para o cinema
Título
Direção
Ano
A Compadecida
George Jonas
1969
Os trapalhões no Auto da Compadecida
Roberto Farias
1987
O auto da Compadecida
Guel Arraes
2000
O auto da Compadecida 2
Guel Arraes e Flávia Lacerda
2024
Créditos de imagem
[1] Editora Nova Fronteira (reprodução)
[2] Wilson Dias / Agência Brasil / Wikimedia Commons (reprodução)
Fontes
ABL. Ariano Suassuna. Disponível em: https://vestibular-brasilescola-uol-br.diariopaulistano.net/academicos/ariano-suassuna.
AUTO. In: AULETE. Disponível em: https://aulete.com.br/auto.
CAMPOS, Tiago Soares. Cangaço. Disponível em: https://vestibular-brasilescola-uol-br.diariopaulistano.net/brasil/cangaco.htm.
CORONELISMO. In: INFOPÉDIA. Disponível em: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/coronelismo.
GONÇALVES, Maria das Dores Farias. O ensino de literatura no processo de formação e preservação da cultura nordestina. 2018. Monografia (Licenciatura em Letras) – Faculdade de Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2018.
SOUSA, Rainer Gonçalves. Café Filho. Disponível em: https://vestibular-brasilescola-uol-br.diariopaulistano.net/historiab/cafe-filho.htm.
SUASSUNA, Ariano. A onça castanha e a ilha Brasil: uma reflexão sobre a cultura brasileira. 1976. Tese (Livre Docência) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1976.
SUASSUNA, Ariano. Ariano Suassuna — história pessoal sob forma cronológica. In: SUASSUNA, Ariano. Romance d’A pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta. Rio de Janeiro: José Olympio, 2013.
SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. 39. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018.
- Resumo sobre Auto da Compadecida